Assim como ocorreu na matéria “O ÚLTIMO “VW FUSCA” BRASILEIRO“, esta matéria entra num terreno que, até então, suscitou muitas interpretações, chegando a ser mais uma das lendas urbanas em torno do Fusca. Para deslindar os segredos deste assunto o pesquisador André Hak Joo Chun, através desta coluna, apresenta os resultados de mais uma incrível pesquisa.
Assim como fizemos no trabalho anterior, dada a complexidade deste assunto e em respeito ao trabalho feito, o material que ele enviou será publicado como recebido. Este trabalho também foi resultado de muita pesquisa, investimento em tempo e dinheiro, muita paciência e perseverança. Dado o seu tamanho este trabalho será apresentado em duas partes.
Apresentação do trabalho
Como relatado por André Hak Joo Chun
Depois de anos de pesquisas, vamos ilustrar aqui um carro desconhecido da maior parte dos brasileiros: o Fusca Última Série Branco para funcionários da Volkswagen do Brasil. Em 1986, um pequeno lote desses carros foi especialmente preparado apenas para funcionários ilustres/graduados da empresa e não foi posto à venda para o público em geral. Tampouco houve veiculação da existência deles em jornais ou revistas da época. Chegou a ser aventado que estes carros eram Fuscas de exportação para o Iraque. Antes de iniciar o assunto desses Fuscas, vamos expor ao leitor que está se interessando agora por esses carros especiais, a situação que ocorria no longínquo ano de 1986.
De antemão, um agradecimento especial a nosso grande amigo Eduardo Mizuno, que ajudou imensamente com todas as pesquisas feitas aqui e que veio a falecer perto da publicação dessa matéria. Ele foi fundamental em todos os momentos da pesquisa. A intenção era colocar a matéria no ar antes desse triste momento.
Próximo de encerrar a produção do Fusca em 1986, a Volkswagen anuncia um lote de 850 Fuscas destinados ao mercado, todos eles numerados de 1 a 850, nas cores metálicas bege Flash (Polar), cinza Atlas e azul Stratos. Supostamente era um Fusca para cada uma das 850 concessionarias da rede. Para efeitos práticos não foi bem assim. A produção viria a ser encerrada no dia 31/10/1986.
Esses Fuscas Última Série (daqui para frente os trataremos por US numerados) eram basicamente um Fusca luxo, sem nenhuma modificação ou acabamento extra em relação aos que saíam da linha de produção. A única exceção ficava por conta da marcação nos vidros dianteiro e traseiro, com a gravação: “Última Serie xxx/850” (xxx vai de 001 até 850).
Adicionalmente, eles vinham com um pacote de lembrancinhas colecionáveis:
- Chaveiro com a menção: “Última Serie xxx/850”
- Chave-reserva dourada
- Certificado de Menção Honrosa com o número do US
- Fita VHS
- Par de placas mencionando: “Última Serie – VW- xxx”
- Manual com o número do US.
Infelizmente, a Volkswagen não colocou a nomenclatura “Fusca Última Série” na nota fiscal e para fins de documento o carro é descrito como VW Fusca, e com esta denominação não se consegue distinguir um US de um Fusca standard, situação que dificultou enormemente a busca desses veículos. Os Última Série de Funcionários, que vamos mostrar, também aparecem como VW Fusca no documento
Evidências do Fusca Última Série de Funcionários: quebra-cabeças
Tenho um grupo de US, onde pesquisamos e já catalogamos 620 dos 850 Fuscas US e eu acreditava que estava caminhando para a conclusão das pesquisas desses Fuscas US, mas o ponto de interrogação ocorreu há alguns anos atrás, durante uma troca de e-mails com o Sr. Andreas Wolfsohn (ex-engenheiro da Volkswagen de junho de1970 até outubro de 2003) , onde ele mencionava que teve um US de cor branca, premiado em vários eventos. As perguntas vieram à tona: US branco? Será possível? Depois de uma base de dados bem grande e com uma boa consistência, onde apareciam apenas azul, cinza e bege, a Volkswagen “inventou” um branco sem divulgação? Como o Sr. Andreas esteve 33 anos na VW, não podíamos desprezar essa informação e me recordo de perguntar a ele qual era o número desse US, esperando ouvir: xxx/850. A resposta veio um tempo depois: Última Série 31/10/1/986. Ele informou não ter fotos detalhadas daquele carro, pois o tinha vendido há muito tempo.
Era sabido que a linha parou em 31/10//1986, assim como nossas pesquisas mostravam que os US representavam 850 carros num intervalo de aproximadamente 2200 chassis (GP045750 até o GP047953), com o que ficou óbvio que a Volkswagen produziu os US intercalados com os Fuscas “normais” e de fato existem Fuscas “normais”, nas mesmas cores dos USs, porém que não foram numerados. Mas o Sr. Andreas Wolfsohn ainda nos viria a apresentar um trunfo tirado da manga: a foto do último dia de produção, com um Fusca branco saindo da linha, com borrachão no para-choques e, adicionalmente, vidros verdes:
Num certo dia, surgiram nos grupos de WhatsApp algumas fotos de um Fusca branco com acabamento interno do VW Santana, e outros acessórios a mais, que foi então chamado de “Fusca da diretoria”, como mostram as fotos abaixo:
Realmente, o acabamento é muito diferente de qualquer Fusca visto até então e poderia ser o Fusca que o Andreas mencionava, mas com a placa tampada, não foi possível descobrir nenhum dado desse carro. Acendia uma inspiração extra para as pesquisas sobre esses carros. Houve quem dissesse que algum tapeceiro é que tinha feito este trabalho…. Nos grupos de que participo este era o “Fusca da Diretoria”.
Grupos de WhatsApp e Facebook sérios são uma mão na roda e uma interessante via para coleta de informações. Acabei por conhecer o Marco G. que coincidentemente era o dono do carro que foi do Andreas e ainda conservava o documento de compra e venda e o carro, com placas amarelas:
Chamou a atenção o número do Chassis acima de 47850, indicando que o carro era da última formada mesmo, e bem que o sr. Andreas dizia que esse carro era do último dia de produção (31/10/1986). Fato confirmado com essa numeração do chassi. Mais uma vez, razão para ele.
Visitando o Marco G., o carro estava desmontado porque tinha sido pintado e vejo uma escrita no vidro: “ÚLTIMA SERIE 31/10/1986”, e confesso que pensei que fosse capricho de algum dos proprietários do carro, talvez do próprio Sr. Andreas. O documento que o Marcos G. havia mostrado iria acabar sendo útil para um dado que seria muito relevante para nossas pesquisas: proprietário anterior Euclides João da Silva (guardem esse nome).
Então em 2016 conseguimos, oficialmente, o primeiro registro de um carro desses mencionado como “Fusca de Diretoria” e ainda em 2016, nosso amigo Victor Brasileiro nos envia uma lista da Volkswagen de 1986, contendo os 100 funcionários com mais tempo de casa e que teriam a opção de comprar um Fusca direto com a fábrica. A lista circulou em vários grupos da internet:
Olhando minuciosamente a lista, é possível constatar que o número 87 é o Sr. Euclides João da Silva, o mesmo que consta no documento do Fusca Branco que foi do Sr. Andreas. Bingo!!! Isso é uma prova de que esses “Fuscas de diretoria” tiveram um motivo para existir e imediatamente me vieram as perguntas: será que esses 100 ilustres senhores (as) receberam um “Fusca Branco da diretoria”? Aliás, seriam todos eles “da diretoria”? Para essas respostas, o único jeito de saber seria perguntar a esses funcionários se eles tiraram o tal “Fusca da diretoria”.
Não acreditava que esse número de Fuscas brancos seria de 100 unidades produzidas, pois se fosse essa quantidade, teríamos visto carros como esses via Facebook, Instagram, WhatsApp, Olx ou Mercado Livre, com alguma frequência. Nunca apareciam.
Pesquisa dos Última Série “de Funcionários”: Busca e conversa com os funcionários de 1986
Lista em mãos, 100 nomes para pesquisar…. Mas como encontrá-los depois de 30 anos quando a pesquisa começou (agora 33)? Na melhor das hipóteses, esses senhores e senhoras tinham perto de 50 anos em 1986 (maioria deles começou a trabalhar na Volkswagen em 1957 e 1958) e possivelmente teriam entre 80 e 90 anos de idade nos dias de hoje. Tomei coragem e então parti para a busca de referências desses funcionários com amigos que foram da Volkswagen. No Facebook também encontrei alguns (eram poucos e somente dois me responderam).
Comecei já em 2016 ligando para os números encontrados e conversei com: a senhora Juliane Jung e os senhores Vicente Aleo, Klaus Bouillon, Otto Bergami, Alcides Hernades, Benedicto Bruni, Gerd Leopold, Sergio Mari, Santiago Oliveira, Dirceu Civitanova, Vasco Sarvodelli, Adalmiro Angeli, Aldo Figueiredo, Tomio Fujiwara, Geraldo Cavalcante, Theo Merten, João Galdino, Guido Noetzel, Delasir Lotto, Heitor Aparecido Secco, Durval Pessoti, Manfredo Brykoy, Franco Guglielmi, Henrique Onha, Edival Tatti e Sergio NIcolaz.
Esses, por sua vez, tinham contacto ou informação de outros amigos da lista e me ajudaram a localizar mais amigos ou mesmo informar que alguns desses ilustres personagens da lista já haviam falecido ou se encontravam incapacitados de se comunicar ou ainda, me colocavam em contacto com alguém da família. Em muitos dos casos, fui atendido pela esposa, filhos(as), netos(as) que também entenderam a causa e me ajudaram. Direta ou indiretamente, foi possível o contacto com 70 nomes dessa lista! Número significativo para análise e projeção dos dados.
Durante as ligações, conversávamos sobre os momentos deles na Volkswagen e as histórias eram contadas com muita riqueza de detalhes, misturadas com uma pitada enorme de nostalgia e saudosismo de uma época que eles trabalhavam na empresa dos sonhos de boa parte dos brasileiros: a Volkswagen do Brasil. Todos muito orgulhosos por terem contribuído ao menos por 30 anos (quando não 46) com a empresa. Nisto eu escutei alguns detalhes da produção, qualidade, armação, pintura, administrativo, gráfica, engenharia, seguradora, financeira, vendas, compras, importação, exportação, peças, manutenção, RH, piloto de testes, etc.
Escutá-los me fez voltar mentalmente àqueles anos saudosos, junto com eles. Nas conversas que tive com essa turma animada, boa parte ocupava cargo de gerência ou supervisão, mas a maioria não ocupava cargo de diretoria em 1986, e assim sendo, concluí que esses Fuscas não foram feitos apenas para a diretoria.
Alguns deles, temerosos por um possível mau uso da informação, optaram em falar o mínimo (compreendemos, porque sabemos da crise de segurança que vive o país).
Para complementar a pesquisa, eu perguntava se eles haviam tirado o carro (primeiros donos?) e pedia que eles o descrevessem. Dos 70 contactados, dois optaram em não retirar o carro e a maioria ficou com o Fusca US numerado de cor azul Stratos. Isso mesmo!!! Fusca Última Série Azul, sempre numerado na casa entre os 600 e 850 (exemplo: 611, 618, 619, 620, 622, 623, 630, 638, 646, 652, 659, 662, 675, 676, 681…; fugindo a esta regra aparece o primeiro US “de funcionários encontrado e que tinha o número 596). Nenhum deles recebeu os Fuscas bege ou cinza Atlas por exemplo (essas duas cores foram feitas em chassis de numeração mais baixa).
Com isso, já passei a desvendar outro mistério: os Fuscas brancos “de funcionários” não foram oferecidos a todos os 100 funcionários, e sim foram destinados a cerca de 40% da lista (30 ex-funcionários declararam ter recebido os Fuscas brancos dentre os 70 funcionários com os quais conversei). A tendência dos dados até aquele momento apontava então para cerca de 40 Fuscas brancos produzidos, caso não houvesse alguma exceção desconhecida. Mais adiante mostrarei até onde cheguei nos números finais destes Fuscas.
O porquê de uns receberem azuis e outros receberem brancos, é uma pergunta que nem eles souberam responder. O senhor Manfredo Brykcy dizia que deveriam ter recebido o azul, confiram a mensagem dele:
Em tempo, todos da lista haviam vendido os Fuscas brancos e quando não, foram roubados. Já dos azuis, apenas o Sr. Antonio Vishi e o Sr. Durval Pessoti mantiveram o carro até o presente momento. Para fins dessa pesquisa, em muitos dos casos, foi possível conseguir sempre uma dica dos carros, seja o azul ou o branco, guardada pelos amigos da lista ou via familiares: foto de um documento da época, chaveiro numerado, diploma numerado, com os quais, comecei a ter pistas importantes de que todos esses carros (brancos e azuis) tinham chassis “altos”, todos bem perto do penúltimo e último dia de produção, a famosa data de 31/10/1986.
Para ficar mais claro, no caso, o Fusca 672/850 azul destinado a funcionário tinha chassi 47910 e o último US vendido ao público, o US850/850 azul, tem o chassi 47780. Os que retiraram esse Fusca branco confirmavam que o interior era muito luxuoso, entretanto ninguém tinha fotos com os detalhes de acabamento desses carros.
Muitos, por não terem WhatsApp, Facebook ou Instagram, não conseguiram nos enviar fotos dos carros ou de lembrancinhas que talvez ainda tivessem em seu poder.
Na sequência, abro espaço para fazer uma homenagem aos que puderam enviar fotos:
A Sra. Juliane, além de ser uma das poucas mulheres da lista, foi a primeira com quem falamos e, infelizmente, acaba de falecer aos 85 anos. Ela trabalhou de 1959 até 1989 na Ala 13, na área de documentação de exportação. Pessoa conhecida e benquista por todos. Ela deixou a antiga Iugoslávia onde nasceu e por conta da Segunda Guerra Mundial, seus pais se fixaram no Brasil. A Sra. Juliane era fluente em vários idiomas, como alemão, inglês e húngaro. Suas filhas Adriana e Alexandra e seu genro Ricardo se recordam do Fusca e guardaram até hoje lembranças dele, incluindo a nota fiscal. Infelizmente o carro foi roubado:
Na foto abaixo o Sr. Santiago Oliveira com sua bela lembrança, dando pistas valiosas para nós! Segundo sua neta Taís, que nos enviou a foto, se a Volkswagen o chamar de volta ele irá imediatamente! De 1958 a 1992 ele trabalhou na ferramentaria e depois atuou como superintendente de manutenção:
O Sr. Alcides Hernandes, que ficou na empresa de março de 1959 até 1994, tinha até cópia do documento do Fusca. Podemos mostrar os dados do carro, porque esse Fusca não existe mais por um motivo muito importante: ele foi recomprado pela VW para ser desmontado e servir de estudo para o Fusca “Itamar”! Sr. Alcides foi muito lembrado pelos colegas de trabalho. Pelo chassi fica claro que seu carro estava na leva dos 50 últimos Fuscas produzidos.
O Sr. Vitor Suadicani, segundo sua filha, foi um recifense com sotaque alemão que trabalhou no Departamento de Compras de 1959 a 1989. Infelizmente faleceu no finalzinho da elaboração matéria (julho de 2019). O carro era muito utilizado pela sua filha Karin Suadicani, que o chamava de Floquinho e lembra-se de todos os detalhes do carro (até da buzina dupla e dos bancos de veludo). Infelizmente o BGT-6986 foi roubado em 1997.
O Sr. Herbert Laubner, o número 2 da lista (seu número de crachá é um número abaixo do número 1 da lista), entrou na Volkswagen Brasil em 1954, se aposentando em 87 como gerente de Transporte e Depósito Intermediário para Taubaté. A ele foi destinado um US azul numerado.
Ele ganhou vários reconhecimentos no seu tempo de Volkswagen:
O Sr. Theo Hubert Merten, já com 91 anos, me atendeu e conseguiu ajudar nas pesquisas; dada a sua larga experiência. Iniciou na empresa em 1948 e foi transferido ao Brasil em 1958, onde se aposentou em 1988. Uma vida dedicada à Volkswagen. Infelizmente o Fusca branco dele, placa KY-1698 foi roubado.
O Sr. Benedito Bruni, desbravou o Brasil e América do Sul, expandindo a marca Volkswagen. Ele contou histórias com um detalhamento enorme. Ele andou de Fusca e Kombi nas décadas de 50, 60 e 70 para Brasília, no Distrito Federal, Goiás, e todo o Nordeste; isto não era uma tarefa das mais fáceis naqueles tempos. Ele e o irmão dele, Nélson Bruni estavam na lista dos 100 funcionários mais antigos. O Sr. Benedito ficou com um Fusca branco e o Sr. Nélson. com um US Azul.
O Sr. Manfredo Brykoy se casou duas vezes; 59 anos de casamento com a Dona Maria e mais de 30 anos com a Volkswagen. Boas conversas com o Sr. Manfredo que entrou jovem na Volkswagen e tinha que se virar com o idioma alemão que aprendeu em casa (ele diz que é ruim no alemão… quisera meu alemão ser tão ruim quanto o dele), pois naquela época, quase toda a fábrica era gerida pelos alemães. Infelizmente, seu Fusca Branco, KX-6380, um dos últimos chassis, foi roubado.
O Sr. Heitor Secco começou aos 13 anos na Volkswagen em 1958. Ele ajudou com a cópia do diploma de Menção Honrosa. O número do US dele era o 619. Ele se lembra da placa e do valor de compra à época:
Aliás, um exemplo de como fomos conseguindo os contatos:
Com a ajuda do Sr. Heitor, consegui contacto com o Sr. Durval Pesotti, que disse que trabalhou por 46 anos na Volkswagen. Além disso, ele apresentou o US número 622, carro que conserva na mesma garagem há 33 anos! O número 622/850 está entre os últimos 20 produzidos.
Karlheinz J. Zimmermann, começou sua carreira na Volkswagen em Wolfsburg, na Alemanha. Em 1959 viu uma oportunidade de trabalho na Volkswagen do Brasil e assim, como a maioria dos nomes na lista dos funcionários, ele foi um dos pioneiros que acompanhou todo o crescimento da Volkswagen, participando de todos os eventos importantes de sua época. No início o objetivo era ficar apenas alguns anos e depois retornar a sua terra natal. O tempo passou e ele acabou fazendo parte da Família Volkswagen, e, com orgulho, ajudou a tornar esta empresa a maior empresa automobilística do Brasil. Chegou a gerente de Departamento da Produção e se aposentou em 1991, falecendo ainda em 1991, poucos meses depois da aposentadoria. Do seu Fusca branco, placas KX-7650, que, infelizmente, foi roubado, restou apenas o kit de lembranças.
O Sr. Roberto Luque Zanella faleceu em 2007, mas sua filha Renata me ajudou muito. O Sr. Roberto entrou na Volkswagen em 1958, como mensageiro aos 16 anos e seguiu na empresa até 1989, então na área fiscal. Montou uma empresa própria e trabalhou até o penúltimo dia de vida. A ele, coube o US azul número 638 de placa KD 0230 (entre os últimos 80 chassis produzidos), que, infelizmente, também foi roubado.
O Sr. Abílio Soeiro ficou na VW de 1959 até 1994 em Finanças, mais precisamente na área da Folha de Pagamentos, Despesas de Viagens e Impostos. Com dezenas de milhares de trabalhadores, não era tarefa fácil. Ficou ainda três anos adicionais como administrador da AVAPE – Associação para Valorização para Pessoas com Deficiência. O Sr. Abílio tirou um Fusca branco, do qual não sabe dizer o paradeiro.
O saudoso Sr. Peter Michael Landgraf ingressou na Volkswagen em 1958 e começou trabalhando na Sala de Medidas de Precisão. A Volkswagen foi a sua vida e com o tempo ele foi galgando posições. Quando houve a fusão Volkswagen e Ford (Autolatina), ele aprendeu inglês sozinho.
Em 1994 ele se aposentou e, infelizmente, em 1995 veio a falecer com Mielofibrose aos 56 anos. Sua Filha, a Sra. Claudia Ladngraf nos conta que certa vez ele estava dirigindo um Passat de teste, com uma frente nova, quando bateu contra um caminhão cegonheiro, bem perto da Volkswagen e a única coisa que ele perguntava no hospital era se a frente do carro foi coberta com um pano ou plástico, porque ninguém poderia ver, era segredo de fábrica (na verdade, não havia sobrado nada da frente do carro).
O Sr. Joel Soares da Silva faleceu justo no início de nossas pesquisas e teve uma vida muito dura, perdendo a mãe ainda criança. Ele diz:” Comecei a trabalhar com 12 anos vendendo doces; fui engraxate, office boy. Trabalhei em livraria, tapeçaria até em 1958, quando aos 19 anos, ingressei na Volkswagen na área de funilaria e logo fui parar na linha de Kombi”.
História pura. Ele mencionou que saiam 4 Kombis por dia da linha. Em 1965 ele acabou entrando, ao acaso, temporariamente na área de testes veiculares e de lá, por suas mãos saíram os testes do VW 1600 (Zé do Caixão); Kombi com vidro inteiriço; Brasília e ele recebeu a Variant alemã para ser tropicalizada. Continuou com o Audi 80 que não foi para frente; Passat e Gol 1300. Em 1979, o Sr. Joel vem a participar do teste do Passat a álcool (em 15 dias foram 112 mil km ininterruptos). Após o lançamento do Gol, ele participou do desenvolvimento do Parati e Voyage.
A riqueza de detalhes é impressionante. Sr. Joel detalhou os testes do Gol GTS, para o qual foi autorizada a ida de um funcionário para trazer um comando G da Alemanha, para ser adaptado no motor 1.8. O desempenho foi muito acima do esperado e aí tivemos o gol GT e depois GTS. Em 1993 o Sr. Joel se aposentou na Volkswagen, e não quis parar. Foi trabalhar na Ford e depois na Mercedes, completando 50 anos de trabalho. Em fevereiro de 2016 ele nos deixou.
O Sr. Yasujiru Tsutsumi, com seus 89 anos, conserva o seu diploma de Menção Honrosa até hoje. Químico de formação, Sr. Yasujiro se aposentou na VW em 1987. Mais uma dica para nós: O Última Série dele era o 618/850 (entre os 50 últimos chassis produzidos).
Muitos outros conseguiram me passar os dados apenas verbalmente.
Busca “física” dos Última Série “de Funcionários”
Pistas como as que relatamos acima ajudam demais, mas eu precisava de mais evidências desses carros com fotos e, felizmente conheci, por intermédio do Alexander Gromow, os senhores Ricardo, Alfredo e Eduardo Ralisch, irmãos, cujo pai, o Sr. João Ralisch, diretor na Volkswagen em 1986, tirou um desses Fuscas e eles felizmente registraram o carro com muitas fotos. Hoje o carro pertence ao amigo Adilson.
No caso, o Sr. João não está na lista de 100 funcionários mais antigos, mas ele simplesmente ocupava o cargo de superintendente das coligadas VW, que envolvia Consórcio, Leasing, Finanvolks (financiadora), Seguros, entre outras. O chassi, indica também um número próximo do fim de produção. O acabamento, não deixava dúvidas sobre ser um possível USF “de funcionários”. Este carro não saiu com a gravação Última Serie 31/10/1986, fato que iremos abordar mais adiante.
Aqui cabe a menção a uma merecida e fascinante história. O Sr. João Ralisch nasceu na antiga Iugoslávia em 1921 e o nome de batismo foi Ivan Rališ. O problema foi que após a guerra, a Iugoslávia se tornou membro da Cortina de Ferro e inimiga do Brasil. Para permanecer aqui ele teve que se naturalizar e alterar o nome e a grafia, claramente eslava. Adotou João, e o Rališ usou a tradução e a grafia alemã, pois estudou numa escola alemã em São Paulo, na Vila Mariana, onde se integrou à Colônia Alemã de São Paulo. Foi o Sr. João que sugeriu à Volkswagen o nome “Pé de Boi” para os Fuscas “populares” feitos entre 1965 e 1966. Ele veio a falecer em 1992. Abaixo um pouco do histórico de quem continuou trabalhando depois de 50 anos (a VW não o deixava se aposentar):
Nota: para quem se interessar em ler a íntegra deste jornal comemorativo pode baixar a sua reprodução em PowerPoint neste link .
Apenas com as fotos de dois carros não se pode ter certeza dos detalhes que eu desejava descobrir, mas deu para ter certeza que este tipo de Fusca existe. Por outro lado, a dúvida aumentou, porque o carro que foi do Sr. Andreas Wolfsohn é a álcool e o que foi do Sr. João Ralish é a gasolina. E o acabamento deles apresenta diferenças nos forros de porta/teto e ainda o que foi do Sr. Andreas não tinha faróis auxiliares de longo alcance.
Um personagem importante por sua atuação proativa neste trabalho foi o saudoso Sr. Eduardo Mizuno, como já ressaltei acima; ele participou desde 2015 no mapeamento dos US e acabou comprando o seu US “de funcionários” em 2017, coisa que veio ajudar mais ainda no trabalho. Sendo assim o terceiro US “de funcionários” tomado por base neste trabalho foi o dele; este Fusca se enquadrava nas características dos outros 2 US “de funcionários” vistos até então.
Esta concessionária possui o Fusca US 850/850 e ainda mantém em seu poder um desses US “de funcionário”. Carro com apenas 1.600 km rodados, parado há décadas. Depois de toda a pesquisa feita, descobrimos que esse foi o primeiro US “de funcionário” produzido. Possui um número de chassi um pouco mais baixo que os demais da série e foi o protótipo daquela pequena série de carros. Originalmente o atual US “de funcionário” do sr. Eduardo Mizuno foi entregue ao senhor Thomas Roesler, número 19 da lista:
O carro do senhor Eduardo Mizuno acabou confirmando mais um detalhe, que também vimos nos vidros do carro que tinha sido do senhor Andreas, a gravação “Última Série 31/10/86”:
O carro é a gasolina e o acabamento é parecido ao carro do Sr. João Ralisch, mas possui três diferenças: forro da porta dianteira sem porta-mapas, com diferente tecido no forro e a ausência de som.
O quarto US “de funcionário”, me foi apresentado via Facebook. O chassi GP047793, pertencente na ocasião ao Sr. Mário Pereira, que pediu para ser identificado com nome completo. O Sr. Mário, já perto dos seus 90 anos, conservou o carro por décadas em sua garagem e tem um carinho muito grande por ele. Por ser de cidade pequena, ele usava o carro para pequenas distâncias, mas já tem um tempo que o carro estava parado porque ele não dirige mais. Hoje o carro está curiosamente na concessionária Tatita. Pelas fotos enviadas por seu filho Marcos, o carro possui os bancos dos US “de funcionários”, é a álcool, e o acabamento é igual ao carro que pertenceu ao Sr. Andreas:
A data de produção na plaqueta de identificação que vai na caixa do estepe indica a data de produção: 31/10/1986.
Esse carro havia sido adquirido originalmente pelo Sr. Klaus Zyturus, número 79 da lista, como consta no manual do carro:
O carro do Sr. Mário Pereira se encontra com 100% de originalidade e tem apenas 30.000 km, com selinho no motor e nos vidros. Na foto abaixo, os dois, o US 850/850 e o US “de funcionários” do Sr. Mário — no showroom nostálgico da Concessionária Tatita:
O quinto US “de funcionários” viria a ser apresentado pelo nosso amigo Adriano C., de São Paulo, que nos mostra o Fusca branco com apenas 129 km rodados, de acabamento interior rebuscado, idêntico ao que pertenceu ao Sr. João Ralisch, mas movido a álcool. Com ele ganhamos mais um ponto de interrogação: cinco carros conhecidos com fotos e três versões diferentes, embora a base deles (interior diferenciado) seja sempre a mesma. O número do chassi indica final de produção (carro tem até etiqueta de chassis no vidro).
O primeiro dono este carro está na lista dos 100 funcionários mais antigos. Este carro havia sido retirado pelo Sr. Alfredo Queiroz Filho, número 98 da lista:
O carro do Sr. Adriano veio com um sistema de som. Este carro vinha descrito como tendo o código de acabamento 150, que seria a versão mais completa movida a álcool. O carro que tinha sido do Sr. João Ralisch também possui sistema de som, idêntico ao do Sr. Adriano. No caso, ambos com um magnífico equipamento Bosch Rio de Janeiro. Esses cinco exemplares nos deram a certeza de que uma pequena série especial foi criada, sem que quase ninguém fora de um extremamente restrito número de pessoas efetivamente a conhecesse!
US de “funcionários”: pesquisa e validação chassis a chassis
Antes de ir a fundo na pesquisa detalhada por chassis, eu tinha dados de 29 US “de funcionários”, baseado nas conversas com os 70 funcionários. Mas eu não consegui contato com os outros 30 funcionários restantes. Ficou a pergunta: quantos tiraram brancos e quantos tiraram azuis?
De posse dos dados desses cinco carros e de alguns documentos/pistas que os ex-funcionários me forneceram, passei a fazer as buscas com critérios bem definidos: Fuscas brancos situados entre os últimos produzidos.
Para evitar erros, expandi a busca para os 2 mil últimos chassis produzidos, embora o espaço amostral que tínhamos, indicava que pegando os últimos dos últimos seria mais do que suficiente. O Objetivo claro era: saber qual foi a produção total dos Fuscas US “de funcionários”.
Branco era uma cor comum na linha 86 do Fusca e como saber se as centenas de brancos encontrados nesse intervalo de mais de 2 mil chassis eram Fuscas Última Série “de funcionários”, ou se eram Fuscas com acabamento normal?
E como fazer para resolver este enigma? Quem conseguiu deslindar este mistério foi nosso amigo José Geraldo de Morais, da Concessionária Tatita, que concordou em verificar os carros por nós levantados e terminou por conseguir achar uma lógica baseada nos códigos de acabamento e nos códigos de estofamento mostrados nas notas niscais dos proprietários que tinham guardado este precioso documento. A Tatita mesmo conserva um desses carros e possui os dados documentais dele que serviram de referência e guia. Assim, passamos a lista de chassis dos carros brancos e o José Geraldo nos mostrava os carros que se enquadravam na classificação de código de estofamento 83. Nas pesquisas, o José Geraldo averiguou quatro versões diferentes de US de “funcionários”: 100, 105, 150 e 155 (explicaremos logo mais o que significa cada um). Sem o José Geraldo, jamais chegaríamos nos números finais (e exatos). Até então tínhamos o código 0100 do Sr Mizuno e do Sr Ralisch, 0150 do Adriano e 0155 da Tattita e do que foi do Sr. Andreas. Não tínhamos o modelo 0105. Abaixo quatro modelos das notas fiscais, apresentadas pelos proprietários, e que suportaram a lógica de busca (0100 e 0105 são a gasolina e 0150 e 0155 são a álcool). Ressaltamos aqui o código de acabamento na NF:
Com toda essa lógica os números finais indicam que foram fabricados: 47 US “de funcionários”.
Realmente um número baixo, mas que estava em linha com que eu havia estimado extrapolando os números obtidos com as pesquisas feitas com os funcionários.
Nas pesquisas do José Geraldo também foi possível verificar que quase todos (46 dos 47) carros saíram direto da Volkswagen. O sistema acusava 43 USF saindo da concessionária de faturamento 2999 (Volkswagen Fábrica), fato que pude comprovar com as muitas notas fiscais a que tive acesso; nas reproduções abaixo foram ressaltados os números das concessionárias de entrega:
Dos quatro que não saíram da Concessionária Volkswagen Fábrica (2999), dois saíram com código de concessionária 2094 (também Fábrica), um com código de concessionaria 2095 (também Fabrica) e um deles foi faturado via concessionária 887 de Matão, SP. Em tempo, não sabemos explicar por que a Volkswagen trabalha com códigos 2999, 2094 e 2095, seguramente isto respeita regulamentos internos.
Nessa altura ganhamos mais um detalhe para ser decifrado: por que um dos carros foi faturado numa concessionária que vendia ao público?
Até meados de 2018, quando eu tinha levantado cerca de 36 chassis, foi possível conseguir acesso ao primeiro proprietário dos US “de funcionários” para poder cruzar com a lista de 100 funcionários mais antigos da Volkswagen emitida em 1986.
Para os 36 chassis de US “de funcionários” pudemos constatar que todos eles foram funcionários da lista de 100 funcionários mais antigos ou foram diretores na VW Brasil.
Hoje a pesquisa de todos os proprietários nos websites pagos não é mais possível; antes disto era possível rastrear inclusive o nome do primeiro proprietário, fator importante para esta pesquisa — para poder cotejar os nomes com aqueles constantes da lista dos 100.
Mas, como conseguimos a informação de mais 11 Fuscas US “de funcionários” depois dos websites fecharem a pesquisa de proprietários, foi possível conseguir apenas o nome do proprietário atual, além de placa, localização (cidade/estado), status do carro (circulação ou roubado) e quando foi o último licenciamento.
Esperamos um dia saber quem foi o primeiro proprietário de cada um deles para poder associá-los à lista de 100 funcionários (matérias como essas sempre trazem dicas dos carros procurados — espero que isto também ocorra neste caso).
Fuscas da Diretoria
Com esta pesquisa, também chegamos a outra constatação: não somente alguns funcionários da lista da Volkswagen de 1986 receberam o US “de funcionários”, mas também, alguns representantes da alta diretoria que assinaram a carta de Menção Honrosa receberam carros. Talvez daí é que tenha vindo a expressão “Fusca de diretoria.”
Da lista de diretores que assinaram o diploma acima, o ex-presidente Wofgang Sauer, e os senhores Philipp Schmidt, Otto Hohne, Dieter Bokelmann e Ramez Rizk também receberam um Fusca branco, US “de funcionários”. Todos esses Fuscas foram faturados via concessionaria 2999. Infelizmente três desses cinco Fuscas foram roubados. Todos esses Fuscas vieram com o código 0100, que é o mais completo da série.
Mostrarei, logo mais, detalhes do Fusca, do Sr. Ramez, que mantém o seu carro até hoje. O único depois de 33 anos, que é rigorosamente único dono. O USF que foi do Sr. Bokelmann também está rodando.
Além desses cinco diretores que assinam o diploma de menção honrosa, mais dois diretores que não o assinaram receberam um desses carros. Um deles foi o Sr. João Ralisch. O outro, será mencionado mais adiante.
Aqui terminamos a Parte 1 deste trabalho, e na Parte 2 vamos detalhar, discutir e mostrar:
– A situação atual dos US “de funcionários”,
– A busca de US “de funcionários” adicionais depois da descoberta de todos os chassis — validação da pesquisa com rica documentação fotográfica,
– Desvendaremos a exceção,
– Veremos os detalhes dos Fuscas Última Série “de Funcionários” – novamente com um rico material ilustrativo,
– Vamos descobrir as diferenças entre os US “de funcionários a gasolina e os a álcool,
– Exploraremos o acabamento interno,
– Falaremos um pouco mais dos carros saídos direto da Fábrica, e
– Vamos finalizar falando sobre a definição dos US “de funcionários” serem ou não representantes de uma série especial.
Um excitante cardápio de informações adicionais que é simplesmente imperdível!
Esta pesquisa é um trabalho que poderia até ser transformado em livro, e que aqui está sendo apresentado em duas longas partes, respeitando o detalhamento necessário para a sua compreensão.
AG
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Em alguns casos material pesquisado na internet, portanto via de regra de domínio público, é utilizado neste trabalho com fins históricos/didáticos em conformidade com o espírito de preservação histórica que norteia este trabalho. No entanto, caso alguém se apresente como proprietário do material, independentemente de ter sido citado nos créditos ou não, e, mesmo tendo colocado à disposição num meio público, queira que créditos específicos sejam dados ou até mesmo que tal material seja retirado, solicitamos entrar em contato pelo e-mail [email protected] para que sejam tomadas as providências cabíveis. Não há nenhum intuito de infringir direitos ou auferir quaisquer lucros com este trabalho que não seja a função de registro histórico e sua divulgação aos interessados.
A coluna “Falando de Fusca & Afins” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
Nota de alteração emitida às 17h30m do dia 21/08/2019: Entre a data de publicação da matéria e hoje foram confirmados os dados de mais três Fuscas US “de funcionários” o que fez a quantidade final destes carros subir de 44 para 47!
Nota de alteração emitida às 18h00m do dia 25/09/2019:
Como as pesquisas complementares permanecem em curso, vamos atualizando a matéria, como segue:
Alterada a quantidade de ex-funcionários declararam ter recebido os Fuscas brancos para 30.
Acrescentados os depoimentos, com fotos, dos senhores Peter Michael Landgraf e Joel Soares da Silva.
Atualizada a quantidade de chassis levantados até meados de 2019 para 36.
Atualizada a quantidade de Fuscas US “de funcionários” para os quais foram conseguidas informações para 11.